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Desafios e Perspectivas na Recuperação Judicial do Produtor Rural: Uma Análise Crítica dos Créditos Extraconcursais sob a Lei nº 14.112/20

Atualizado: 27 de set.

Autora: Carla Gruner A reforma da Lei 11.101/05 pela Lei nº 14.112, de 2020, trouxe significativas mudanças no tratamento da recuperação judicial, especialmente para o produtor rural, cuja maior parte de seus créditos provém de garantias cedulares vinculadas à Cédula de Produto Rural (CPR) com liquidação física.


Essa alteração legislativa se insere num contexto em que se busca oferecer meios para que empresas em dificuldades financeiras possam se reestruturar e continuar suas atividades, mas a forma como os créditos extraconcursais são tratados, especialmente no que tange aos produtores rurais, levanta questões sobre a efetividade desse objetivo.


A Lei do Agro I (Lei 13.986/20) expandiu as possibilidades de garantia para as CPRs, permitindo a utilização de qualquer tipo de garantia prevista na legislação, inclusive o penhor rural, seja ele agrícola ou pecuário. Este mecanismo de garantia é fundamental para o crédito no setor agropecuário, mas sua configuração na prática jurídica, especialmente após a reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, revela uma tensão entre a necessidade de proteger os credores e a intenção de preservar a empresa para que possa superar a crise.


Os créditos e garantias cedulares vinculados à CPR, conforme o artigo 11 da Lei 14.112/20, não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial em determinadas condições, destacando-se aqui a antecipação parcial ou integral do preço ou operações de troca por insumos. Esta disposição sugere uma proteção aos credores que, embora possa ser justificada sob a ótica da segurança jurídica e da confiança nas transações comerciais, apresenta um desafio para o produtor rural em recuperação judicial.


O cenário fica ainda mais complexo quando consideramos a essencialidade dos bens para a continuidade da atividade empresarial. A Lei de Falências e Recuperação de Empresas, em seu artigo 49, §3º, estabelece uma exceção para os bens de capital indispensáveis à atividade do devedor. No entanto, produtos agrícolas, como soja e milho, muitas vezes não são classificados como bens de capital, o que limita a proteção que poderiam receber nesse contexto, dificultando a reestruturação efetiva do negócio.


O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a necessidade de os bens serem essenciais à atividade empresarial para que possam ser protegidos contra expropriações no curso da recuperação judicial. No entanto, a peculiaridade da atividade rural, onde os produtos agrícolas são frequentemente a principal fonte de receita, demanda uma interpretação da lei que considere a realidade econômica desses empresários.


A jurisprudência e a doutrina apontam para a necessidade de um equilíbrio que proteja o produtor rural em recuperação judicial, permitindo-lhe manter a posse de seus produtos agrícolas essenciais para a continuidade de sua atividade. Tal abordagem reconhece a importância de preservar a empresa e sua função social, conforme estabelece o artigo 47 da Lei 11.101/05, mas enfrenta o desafio de fazer isso sem prejudicar indevidamente os direitos dos credores.


A solução para esse impasse requer uma interpretação da lei que leve em conta a finalidade da recuperação judicial: permitir que o devedor supere sua crise financeira e preserve sua atividade econômica. Isso pode significar, na prática, reavaliar a aplicação do conceito de bens de capital e a essencialidade dos bens para a atividade empresarial do produtor rural, de forma a não comprometer a capacidade de recuperação da empresa.


Em suma, enquanto a Lei nº 14.112/20 buscou modernizar e tornar mais eficiente o processo de recuperação judicial, a aplicação prática dessas mudanças ao setor agrícola revela complexidades que exigem uma interpretação cuidadosa da legislação. O tratamento dos créditos extraconcursais, em especial, destaca a necessidade de equilibrar a proteção aos credores com a preservação das empresas, garantindo que a recuperação judicial cumpra sua finalidade sem onerar excessivamente o produtor rural. Este equilíbrio é fundamental para assegurar que a lei não apenas proteja os interesses dos credores, mas também promova a recuperação sustentável das empresas, contribuindo para a estabilidade econômica e o desenvolvimento do setor agrícola.

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